A Clínica do Doutor Milagre: Um Diagnóstico da Hipocondria Financeira

Depois de identificar o "Porteiro Financeiro" e o "Alquimista de Colete", a minha contínua observação da vida nesta metrópole revelou-me uma terceira e talvez mais perniciosa personagem na comédia das nossas corretoras de valores: o Assessor-Médico, especialista em diagnosticar doenças que não existem.

A sua clínica é a própria plataforma digital, e o seu negócio não é vender saúde financeira, mas sim vender a doença. O processo é de uma simplicidade genial e perversa.

O cidadão chega ao consultório com uma carteira de investimentos perfeitamente saudável, ainda que modesta: uma poupança robusta, um pouco de tesouro direto, talvez um fundo de ações de uma empresa sólida. É o equivalente financeiro a um indivíduo que come legumes, dorme oito horas por noite e caminha no parque.

O Assessor-Médico, porém, olha para estes "exames" com uma cara de profunda preocupação. Abala a cabeça, franze a testa e anuncia o diagnóstico terrível. O paciente, coitado, padece de um mal gravíssimo: a "Síndrome da Simplicidade Aguda". Os sintomas são alarmantes: "Baixa exposição a derivativos de volatilidade asiática!", "Deficiência crónica de cripto-ativos!", "Taxa de complexidade perigosamente abaixo do recomendado!".

O pobre diabo, que se julgava são, descobre-se à beira da morte financeira. Mas o Doutor Milagre, num rasgo de magnanimidade, oferece-lhe a cura. E a receita é sempre a mesma: um tratamento de choque com os mais caros e esotéricos medicamentos disponíveis na sua farmácia.

A prescrição inclui:

  • Uma dose cavalar de COE, o nosso antibiótico de largo espectro contra a monotonia dos lucros.

  • Injeções diárias de day trade, um estimulante fortíssimo para o sistema nervoso do capital, com ligeiros efeitos colaterais de paragem cardíaca.

  • E, claro, um supositório de fundo multimercado com gestão "ativa", para garantir a... diversificação interna das taxas que o paciente irá pagar.

O tratamento, como é evidente, não visa curar o doente, mas sim torná-lo um dependente químico da clínica. O resultado é um fenómeno que a medicina conhece bem: a iatrogenia, a doença causada pelo próprio tratamento. A carteira, antes saudável, adoece sob o efeito colateral das taxas de administração, da corretagem e dos impostos sobre ganhos ilusórios.

No fim, o paciente está mais pobre, mais ansioso e completamente viciado nos "remédios" do seu doutor. A única saúde que floresce é a do balanço da corretora. Estes estabelecimentos não são consultórios de investimento; são clínicas de charlatães a vender hipocondria. E o seu trabalho não é assessoria financeira; é, pura e simplesmente, má prática em escala industrial.

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