Crónica da Finança Galante: Um Estudo sobre o Ofício mais Antigo do Mercado
Tenho, nas minhas crónicas anteriores, classificado a fauna das nossas corretoras com as metáforas de porteiros, alquimistas e curandeiros. Devo confessar, porém, a minha própria ingenuidade. Todas essas analogias, embora servissem para ilustrar a farsa, falhavam em capturar a essência da relação fundamental. Hoje, com a frieza de um sociólogo e o enfado de um moralista, compreendo. A atividade que estes estabelecimentos promovem não é uma profissão nova, mas a mais antiga de todas, apenas com um novo guarda-roupa e um escritório com ar condicionado.
A encenação começa, como sempre, com a sedução. O assessor, esse rapaz de sorriso fácil e discurso ensaiado, não lhe vende um produto; ele vende-lhe uma ilusão de intimidade. Ele quer saber dos seus "sonhos", das suas "metas de vida". Ele trata o seu capital com um cortejo, com uma delicadeza de amante. Promete-lhe fidelidade, um "relacionamento de longo prazo", segurança. É uma performance magnífica de afeto, calculada para que o cliente baixe a guarda e abra a carteira.
Mas o assessor, coitado, não é o dono do seu próprio afeto. Ele é apenas a face visível do negócio. Nos bastidores, no escritório de vidro com vista para a cidade, senta-se a figura principal deste drama: o cafetão. A corretora, essa entidade que se diz "independente", é o rufião moderno que gere o seu plantel.
É o cafetão quem dita as regras do jogo. É ele quem decide quais "programas" estão disponíveis na noite: "Hoje, o Fundo Imobiliário do Gestor X está a pagar bem. É para lá que vocês levam os clientes". A propalada "independência" do assessor é a liberdade de escolher entre os clientes que o patrão já selecionou, aqueles que pagam a comissão mais gorda à casa. A sua lealdade não é para com o homem que seduziu na sala de reuniões, mas para com o chefe que lhe paga a comissão.
E assim se consuma o ato. O cliente, inebriado pela promessa de uma noite de rendimentos fantásticos, paga o preço. E que preço! Paga na corretagem, paga na taxa de administração, paga no produto de segunda linha que lhe foi empurrado. Paga, acima de tudo, com o custo de oportunidade de não ter colocado o seu dinheiro num lugar honesto e seguro.
A manhã seguinte é sempre melancólica. É o momento em que o cliente olha para o seu extrato e sente o frio da transação. A intimidade prometida era uma farsa. A fidelidade era uma mentira. O seu capital foi usado, e ele ficou com a conta para pagar e uma vaga sensação de ter sido enganado.
A analogia, por mais brutal que pareça, é de uma precisão cirúrgica. E a única diferença substancial entre o ofício da Faria Lima e o do cais do porto é que, no segundo, os termos do contrato são, ao menos, honestos.
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